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O assembleísmo nos colegiados dos fundos de pensão e o dever fiduciário de decidir

Aparecida Pagliarini¹ e Ricardo Pena²

A governança dos fundos de pensão evoluiu muito desde a publicação da Resolução CGPC nº 13, de 2004, com a redefinição dos papéis e empoderamento dos órgãos colegiados e dos comitês técnicos auxiliares constituídos a partir de uma visão integração de gestão baseada nos riscos dos processos de trabalho dentro das Entidades de

previdência complementar.

O conselho deliberativo é órgão máximo que integra a administração das entidades fechadas de previdência complementar regidas pelas Leis Complementares nº 109 e 108, ambas de 2001, ao lado da diretoria executiva e o seu papel, como colegiado, cresce de importância com as mudanças de cenários que se apresentam neste século XXI. Seja por conta do comportamento das novas gerações, pelo aumento na expectativa de vida, pela volatilidade dos mercados, seja pela pandemia da Covid-19, pela recente guerra da Rússia contra a Ucrânia, pelo rápido crescimento e utilização de novas tecnologias, pelos princípios ESG dos investimentos e tudo mais que possa (e deva) ser objeto de preocupação do chamado “órgão superior da administração” pela legislação³ .

Se evolui a complexidade das matérias, em função do porte da Entidade, que devem ser objeto de pauta dos Conselhos, de um lado, de outro é certo que é necessário agora não só a visão de longo prazo, mas a de curto e médio prazos também para que planejamentos estratégicos e planos de ação não sejam precariamente estruturados pegando de surpresa a própria administração das EFPC e dos planos de benefícios por elas administrados.

Por que estamos dizendo isso? Porque se nota, desde a primeira Lei que regulou a previdência privada no Brasil⁴ uma significativa necessidade de aprimoramento contínuo na atuação dos conselhos e dos próprios conselheiros. Pelas razões já apontadas e pela natureza orgânica da EFPC que, ao final, atua por intermédio dos seus órgãos de administração: conselho deliberativo e diretoria executiva.

De acordo com a Lei das Sociedades Anônimas e com os melhores princípios de governança corporativa, é de fundamental importância a Assembleia Geral Ordinária dos acionistas que se instala anualmente para aprovação das contas e do relatório dos administradores, ou seja, com o principal objetivo de tomar decisões sobre o futuro e a saúde da empresa. A mesma Lei nº 6.404, de 1976, estabelece que os administradores estão

vinculados aos seus deveres fiduciários e os obriga a agir com diligência e lealdade e a não deliberar na hipótese de conflito de interesses.

O mesmo não ocorre no ambiente das EFPC, uma vez que a estrutura da administração remete para o Conselho Deliberativo, em última instância, como representante dos “donos” (participantes/assistidos e

patrocinadores), as decisões necessárias para a organização, o funcionamento e o desenvolvimento dessas organizações que, é sabido, não têm finalidade lucrativa e tampouco se assemelham a outros tipos de sociedade.

Contudo, uma das dificuldades presentes atualmente nos conselhos das EFPC tem sido o assembleísmo, que consiste na submissão prévia de qualquer decisão à discussão em “assembleia” com outros comitês e colegiados, talvez com debates improdutivos que impedem a tomada célere de decisões, impedindo muitas vezes a decisão almejado no curto prazo para resultados esperados a médio e longo prazos. Dessa forma, o “assembleísmo” chega perto do que se equipara à “burocracia”, que amarra, que tolhe a criatividade e a inteligência de cada Entidade, que, muitas vezes, se distancia da cultura de cada ambiente, levando à fragmentação e à imobilização da administração, justamente num cenário de incertezas a que nos referimos no início que demanda

agilidade.

Tal situação, como se constata, vem trazida pelo excesso e constante mudanças de regulação, de um lado, e pelas amarras que muitas vezes ela impõe à administração. De outro lado, e talvez por outros motivos que podem ser adicionados, pelo receio trazido à essa mesma administração, principalmente no ambiente dos colegiados, impedindo que seus membros compreendam que a realidade atual deles exige tomada de decisões no tempo devido, pensadas, fundamentadas e estruturadas. Essa mesma realidade vai exigir a celeridade que não pode ser procrastinada pela espera do consenso desejável, mas nem sempre possível em órgãos colegiados. A realidade com a qual nos defrontamos demanda ações qualificadas diante de problemas reais. Reuniões do conselho deliberativo,

dada a sua importância para a administração das EFPC não podem se dar como reunião de condomínio. Ao contrário, na sua obrigação de também acompanhar o dia a dia da diretoria (nose in, fingers out) as decisões do conselho

deliberativo devem e precisam fortalecer o ato regular de gestão. Sendo assim, entendemos que um ponto importante para se evitar e prevenir essa “síndrome de decisões” é aumentar a clareza dos papeis dos membros e do próprio conselho como colegiado. Quando os limites e o poder de ação dos membros dos conselhos são compreendidos desde o início da atuação, a chance de se invadir, confundir ou sobrepor o espaço do outro é menor e

o alinhamento nas discussões estratégicas, por sua vez, muito maior.

Nos dias de hoje, até mesmo pela imposição de uma regulação e supervisão estatal mais restritiva, o conselho deliberativo das EFPC pode se desviar para um olhar mais de “fiscal” e menos de colaborador, através de planilhas e controles exacerbados se tornando uma obsessão em detrimento das discussões sobre o futuro da EFPC frente ao

cenário já aqui comentado. Essa visão de embate, de fiscalização e de controles confunde o que seja a melhor governança, podendo mesmo comprometê-la. O excesso de controle inibe a formação de um ambiente aberto para troca de ideias e criação de novas oportunidade de desenvolvimento e crescimento nas operações das EFPC e dos

planos de benefícios, em prejuízo das expectativas dos seus participantes e assistidos, comprometendo a imagem e credibilidade do regime de previdência complementar.

Para haver coesão e entrega dos resultados esperados, é preciso existir uma alta dose de transparência e confiança na relação entre o conselho deliberativo e a diretoria, o que pode parecer não tão simples, mas certamente não é complicado, independentemente do número de reuniões que oportunizam a troca de experiências durante as

sessões. Para isso, é preciso desenvolver e preservar alguns comportamentos, especialmente valores morais para se construir confiança, lealdade e especialmente relações éticas: comprometimento, acolhimento, capacidade de ouvir mais do que tentar impor posições e pré-conceitos, reconhecer enganos, focar no momento de decidir para o futuro, ter conhecimentos necessários e competência técnica e gerencial, sem esquecer que o que se faz é mais importante do que se prega em manuais e programas.

O ambiente harmônico no âmbito da EFPC é uma tarefa árdua, mas não impossível, que deve ser construída, avaliada e reconstruída de forma permanente por todos, especialmente pelo “órgão máximo da administração”, com incentivo a discussão sem conflitos que podem gerar o efeito “catraca”: é impossível voltar atrás. Ao contrário, a

partir de um comportamento de gentileza e da busca de um padrão “best in class”, certamente a administração da EFPC colherá melhores resultados.

Por fim, deixamos duas perguntas que julgamos de importância para os administradores, membros do conselho deliberativo: o que estou fazendo aqui? qual o meu papel? São questões que refletem as preocupações e efetividade desse fórum, demonstrando a relevância na composição/perfil (liderança, competência, alinhamento, estratégia, resultado, perenidade do negócio e diversidade) dos conselheiros das EFPC, bem como a forma de medir seu desempenho, como preconiza Ram Charam no livro “Boards That Lead”. E por isso, a importância atual de um bom “assessment”, método que ajuda a avaliar, entender os colegiados, corrigir deficiências, treinar, apontar tendências de comportamento, performance e potencialidade de desenvolvimento em benefício não da EFPC mas, também, dos participantes e assistidos dos planos que ela administra. Lembrando ao final que, tudo o que vem antes do “mas”, perde um pouco de importância.


1 Advogada formada pela USP-Universidade de São Paulo. Sócia fundadora do escritório Pagliarini e Morales Advogados Associados. Coordenadora da Comissão de Ética do Sistema Abrapp/Sindapp. Foi membro do Conselho Deliberativo e Fiscal da OABPREV São Paulo (2006 a 2020). Foi membro do Conselho da Carteira do IPESP. É autora do livro “Manual de Prática e Recomendações aos Dirigentes das Entidades Fechadas de Previdência Complementar”, na sua 5ª edição

2 Economista com pós-graduação em Atuária e Finanças pela FIPECAFI/FEA/USP e doutor em Demografia pelo CEDEPLAR/UFMG. É auditor-fiscal da RFB/ME. Foi diretor de investimentos e Secretário de Previdência Complementar na SPC/MPS. Foi o 1º Diretor-Superintendente da PREVIC e o 1º Diretor-Presidente da Funpresp-Exe (dez/2012-jan/2022). É autor do livro “A demografia dos fundos de pensão”, da coleção MPS.

3 Art. nº 11 da LC 108/2001.

4 Lei nº 6.435/77.

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